Lendas da nossa terra
Lenda do penedo dos ovos (pedra amarela)
Existe, no meio da serra de Sintra um penedo elevado a prumo, caprichosamente, pela Natureza, ou produzidos pelas convulsões vulcânicas do terreno em tempos ignotos, anda ligada à seguinte lenda:
Dizia-se em tempos que por baixo de tal pedra havia um tesouro escondido (um tesouro encantado) que pertenceria a quem fosse capaz de derrubar o penedo , atirando-lhe com ovos.
Uma velha meteu então na cabeça que esse tesouro havia de lhe pertencer. Para tal, a velha começou a juntar tantos ovos quantos podia. Quando achou que já tinha uma boa provisão, deu início à sua ingénua tarefa. Carregou, pouco a pouco, todos os ovos para as imediações do penedo, e meteu mãos à obra. Um a um, dois a dois, e com quanta força dispunha, ia arremessando os ovos contra o penedo. Quando já não lhe restava nenhum, terrível decepção! O penedo continuava erecto e firme, lavado com ovos!
E foi assim que, em vez de cair por terra, o penedo, pondo a descoberto o maravilhoso tesouro, caíram por terra desfeitos todos os sonhos e todas as esperanças da pobre velha! E ainda hoje, o povo sempre propenso ao maravilhoso, julga ver nos musgos amarelados que cobrem o penedo, as gemas dos ovos que a velha contra ele arremessou.
O lobo e o cão
Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.
Sinal é que, de orelha arrebitada,
Bem vigilante andava a canzoada.
Encontra o lobo um dogue forte, grosso,
Nutrido, luzidio, uma beleza!
Que distraído abandonara a estrada.
Sorri-lhe a nédia presa.
Saltar-lhe lobo ali, fazê-la em postas
O seu desejo fora. Dura empresa!
A luta era infalível! Voltar costas
Não usam perros quando são valentes,
E, mais, os brutos! ,
Do fero contendor! Diabo! Diabo!
Então aquele, com aqueles dentes!
Humildade o lobo, pois, encolhe a cauda;
Chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;
Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,
Que deixe que ele admire, que ele aplauda
Topá-lo assim… e com tão bom cabelo!...
E rijo! E gordo! Um frade! Uma abadessa!
«Esplêndido senhor – o cão responde –
De vós depende o ter igual gordura.
Fugi dos bosques, onde
Por teima da desgraça,
De fome e frio só achais fartura,
Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.
Dias e dias sem comerem nada!
E lá por festas raras, esquecidas,
Um petisquinho conquistado à espada,
Tragado às escondidas!
Aí é certa a morte!
Segui… segui meus passos;
Tereis outro destino e melhor sorte.
- Mas como? – volve o lobo. -
Fazer então que devo? – Bagatela:
Nem morte de homem, nem de igreja roubo;
Simplesmente estas coisas: não ter trégua
À santa gente rota, mendicante,
Bordão numa das mãos, noutra a tigela,
Que vem inda a distância duma légua
E já tresanda a essência de tratante.
Lamber as mãos ao dono; ser submisso…
Dar coca – é o termo próprio – ao dono e a todo
Quando bicho-careta houver em casa.
Salário apanhareis que vos apraza:
Ossos das aves, rodas de chouriço,
Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!
Até uns tagatés em cima disso!»
Tendo prestado ao cão atento ouvido,
O lobo, coitadinho! ,
Com perspectiva tal enternecido,
Não fugiu nem mugiu, mas fez beicinho!
Iam caminho já do provado,
Quando o lobo notou que no pescoço
O cão era pelado!
«Que tens aí? – pergunta em alvoroço.
- Nada, que eu sabia. – Nada?! – Frioleira!
- Mas afinal o que é? – Ora!... a coleira,
Com que à noite me prendem junto à porta…
- Prender-te?! – o lobo exclama. Não saias fora,
Não corres livre pela terra inteira
Quando te dá na gana, e a toda a hora?
- Nem sempre. Isso que importa?
- Tanto importa, que toda a trincadeira
Com que me acenas, um tesouro embora,
Por tal preço não quero!»
O lobo finda,
Põe-se logo na perna, e corre ainda!