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Lendas da nossa terra

23
Mar16

Lenda do penedo dos ovos (pedra amarela)

 

Existe, no meio da serra de Sintra um penedo elevado a prumo, caprichosamente, pela Natureza, ou produzidos pelas convulsões vulcânicas do terreno em tempos ignotos, anda ligada à seguinte lenda:

Dizia-se em tempos que por baixo de tal pedra havia um tesouro escondido (um tesouro encantado) que pertenceria a quem fosse capaz de derrubar o penedo , atirando-lhe com ovos.

Uma velha meteu então na cabeça que esse tesouro havia de lhe pertencer. Para tal, a velha começou a juntar tantos ovos quantos podia. Quando achou que já tinha uma boa provisão, deu início à sua ingénua tarefa. Carregou, pouco a pouco, todos os ovos para as imediações do penedo, e meteu mãos à obra. Um a um, dois a dois, e com quanta força dispunha, ia arremessando os ovos contra o penedo. Quando já não lhe restava nenhum, terrível decepção! O penedo continuava erecto e firme, lavado com ovos!

E foi assim que, em vez de cair por terra, o penedo, pondo a descoberto o maravilhoso tesouro, caíram por terra desfeitos todos os sonhos e todas as esperanças da pobre velha! E ainda hoje, o povo sempre propenso ao maravilhoso, julga ver nos musgos amarelados que cobrem o penedo, as gemas dos ovos que a velha contra ele arremessou.

 

O lobo e o cão

 

Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.

Sinal é que, de orelha arrebitada,

Bem vigilante andava a canzoada.

Encontra o lobo um dogue forte, grosso,

Nutrido, luzidio, uma beleza!

Que distraído abandonara a estrada.

Sorri-lhe a nédia presa.

Saltar-lhe lobo ali, fazê-la em postas

O seu desejo fora. Dura empresa!

A luta era infalível! Voltar costas

Não usam perros quando são valentes,

E, mais, os brutos! ,

Do fero contendor! Diabo! Diabo!

Então aquele, com aqueles dentes!

Humildade o lobo, pois, encolhe a cauda;

Chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;

Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,

Que deixe que ele admire, que ele aplauda

Topá-lo assim… e com tão bom cabelo!...

E rijo! E gordo! Um frade! Uma abadessa!

«Esplêndido senhor – o cão responde –

De vós depende o ter igual gordura.

Fugi dos bosques, onde

Por teima da desgraça,

De fome e frio só achais fartura,

Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.

 

 

 

Dias e dias sem comerem nada!

E lá por festas raras, esquecidas,

Um petisquinho conquistado à espada,

Tragado às escondidas!

Aí é certa a morte!

Segui… segui meus passos;

Tereis outro destino e melhor sorte.

- Mas como? – volve o lobo. -

Fazer então que devo? – Bagatela:

Nem morte de homem, nem de igreja roubo;

Simplesmente estas coisas: não ter trégua

À santa gente rota, mendicante,

Bordão numa das mãos, noutra a tigela,

Que vem inda a distância duma légua

E já tresanda a essência de tratante.

Lamber as mãos ao dono; ser submisso…

Dar coca – é o termo próprio – ao dono e a todo

Quando bicho-careta houver em casa.

Salário apanhareis que vos apraza:

Ossos das aves, rodas de chouriço,

Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!

Até uns tagatés em cima disso!»

Tendo prestado ao cão atento ouvido,

O lobo, coitadinho! ,

Com perspectiva tal enternecido,

Não fugiu nem mugiu, mas fez beicinho!

 

Iam caminho já do provado,

Quando o lobo notou que no pescoço

O cão era pelado!

«Que tens aí? – pergunta em alvoroço.

- Nada, que eu sabia. – Nada?! – Frioleira!

- Mas afinal o que é? – Ora!... a coleira,

Com que à noite me prendem junto à porta…

- Prender-te?! – o lobo exclama. Não saias fora,

Não corres livre pela terra inteira

Quando te dá na gana, e a toda a hora?

- Nem sempre. Isso que importa?

- Tanto importa, que toda a trincadeira

Com que me acenas, um tesouro embora,

Por tal preço não quero!»

O lobo finda,

Põe-se logo na perna, e corre ainda!