contador de visita

Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

http://joaoalegria.blogs.sapo.pt

<div id="sfc33p9rmnbqy98b4ahfpn4a6hu3sah3hg5"></div> <script type="text/javascript" src="https://counter8.stat.ovh/private/counter.js?c=33p9rmnbqy98b4ahfpn4a6hu3sah3hg5&down=async" async></script>

http://joaoalegria.blogs.sapo.pt

<div id="sfc33p9rmnbqy98b4ahfpn4a6hu3sah3hg5"></div> <script type="text/javascript" src="https://counter8.stat.ovh/private/counter.js?c=33p9rmnbqy98b4ahfpn4a6hu3sah3hg5&down=async" async></script>

Lendas da nossa terra

31
Mar16

Torre dos Namorados

Conta-se que há muito tempo atrás, no local que hoje é conhecido como o centro da Torre dos Namorados existia uma cidade muito povoada, onde abundava a prosperidade e a felicidade. A cidade era governada por um rei muito consciente dos seus deveres para com os súbditos. Era dotado de um sentido de justiça apuradíssimo e revelava uma moral inabalável e incorrupta. Muito estimado pela população, para este governante, a palavra tinha um valor insubstituível e, dizia-se na altura, "antes preferia morrer que vergar". Tinha o rei uma filha casadoira que fazia suspirar de paixão os mancebos da cidade com sua beleza sem igual. Ousadia para pedir ao rei a mão da princesa faltava a quase todos os jovens apaixonados. O seu perfil de monarca rígido e moralista fazia adivinhar que não teria escrúpulos em mandar para a forca quem se atrevesse a cometer a mais pequena indelicadeza ou ousasse falar-lhe sequer na mão da real filha.

 Posta a situação nestes termos, deram os jovens por bem empregue o tempo e a coragem de que dispuseram para se dirigir ao palácio real a pedir ao rei a mão da filha e, no dia seguinte, puseram mãos à obra. Passaram-se meses. As obras de um e outro empreendimento avançavam com rapidez e em breve se concluiriam.

 No dia em que terminaram era grande a excitação, quer da corte, quer da população da cidade. Todos se dirigiram ao centro da cidade para verificarem qual dos dois mancebos iria desposar a jovem princesa. Mas o dia, que nascera cinzento, pouco haveria de clarificar. Exactamente ao mesmo tempo em que um jovem colocava a bica na fonte principal de abastecimento da cidade que a partir daí não mais pararia de jorrar, o outro acabava de colocar a última peça de ouro no pináculo de uma espectacular e sólida torre capaz de defender a cidade dos maiores ataques inimigos. Continuava por apurar o noivo da bela princesa. O rei estava estupefacto e a sua face ficou pálida de amargura. Não poderia cumprir o prometido. A população decidiu que os dois jovens deviam bater-se num duelo de espadas e o que ficasse sem se ferir casaria com a jovem. Assim fizeram, mas as espadas quebraram-se ficando os jovens sem uma única beliscadura.

 Decididamente parecia que a princesa teria de permanecer solteira e o rei sem poder cumprir o prometido. Facto grave e intolerável para o monarca. É que ninguém como ele tomava à letra a sentença: "palavra de rei não volta atrás". O lugar onde teve lugar a matança da princesa ficou conhecido por isso mesmo: Mata da Rainha. Hoje é uma freguesia do concelho do Fundão.

 Foi então que, como um trovão, se ouviram as seguintes palavras doídas que saíram da boca do rei: “- Torre feita, água à porta; filha de el-rei morta!”

 A princesa logo percebeu que nunca seria rainha pois estava condenada à morte pela dureza da sentença de seu próprio pai, montou um cavalo e fugiu em direcção ao Sul. De pouco lhe valeu. Rapidamente foi capturada pelos soldados do rei que aí mesmo, cumprindo   ordens, a mataram.

 Tempos passaram e a beleza da princesa cada vez era maior. Cabelos de ouro e face que parecia irradiar a luz do sol, caracterizavam a sua beleza única. Certa tarde de Primavera, dois jovens mais ousados e bêbados de paixão dirigem-se corajosamente ao palácio real para falarem com sua majestade a fim de obterem consentimento para casarem com a jovem princesa. O rei recebeu-os com dignidade respeitando os seus sentimentos de puro amor. Obviamente, a sua filha era única e apenas um podia ser o eleito. Como monarca justo que era e, tendo a mesma consideração e estima pelo carácter e amor sincero dos seus dois jovens súbditos, falou-lhes nos seguintes termos: «- Meus caros jovens: não tenho qualquer dúvida que qualquer um de vós ama perdidamente a princesa e poderá vir a ser um excelente marido para a minha filha e um melhor pai para os meus netos e sucessores. Contudo a minha filha, a quem venero com todo o meu coração, é única e vós sois dois pretendentes. Se der a sua mão a um de vós estarei a ser injusto. Entretanto a cidade está a ficar com problemas de abastecimento de água à população que não pára de crescer. Por outro lado, o palácio não tem uma torre sólida e funcional que nos possa por a salvo em caso de um ataque imprevisível dos nossos inimigos. Eis as tarefas que vos proponho: um de vós deve iniciar a construção de um aqueduto suficientemente eficaz e sofisticado que resolva os problemas de abastecimento de água à cidade. O outro deve empenhar-se na construção de uma torre tão sólida e funcional que este reino nada venha a recear em caso de ataque e cerco pelos nossos inimigos. Começai os trabalhos amanhã ao alvorecer. O primeiro que acabe a tarefa que lhe destino terá a honra de casar com a minha filha. Agora ide e que ganhe o melhor!».

Lendas da nossa terra

25
Mar16

COMO NASCERAM AS ZEBRAS

 

 Há muitos anos havia na famosíssima cidade de Correquelogodormes, havia uma avenida tão comprida que só se avistava com binóculos o começo.

Os cocheiros gostavam muito dessa avenida, porque os cavalos andavam ligeirinhos e chegavam muito rápido onde queriam chegar.

Atravessar a avenida da cidade era uma aventura, às vezes, havia atropelamentos.

O Anastácio inventor arranjou uma maneira de atravessar com calma e segurança a avenida. Pegou numa zebra que tinha em casa e mandou-a parar no meio da avenida.

Os cavalos paravam para cumprimentar a prima às riscas (zebra).

Anastácio atravessou todo sorridente para os cocheiros e eles ficaram com ar carrancudo. A partir daí, quem tinha zebras levava-as para todo o lado.

O presidente estava preocupado, andou um mês a pensar e decidiu proibir as zebras na cidade. Mandou pintar zebras em muitos sítios, mas havia pouca tinta. Ficaram todos satisfeitos e é por isso que hoje há zebras em muitos sítios do mundo. Ninguém se lembrou do Anastácio.

 

LENDA DOS TRIPEIROS

Os estaleiros do porto construiam naus para uma encomenda do reino mas que para a qual se desconhecia a destinação, assim corriam muitos boatos sobre a utilização futura desta frota, foi mesmo questão de ser utilizada para o casamento dos princepes do reino. Certo dia, o Infante D. Henrique veio ao Porto para ver o avançamento da construção naval dos barcos .

O Infante visitou os estaleiros e apreciou o trabalho que ai se fazia , confiando no mestre encarregado das obras "mestre Vaz", disse-lhe que essas embarcações se destinavam à conquista de Ceuta, para isso lhe pedia de guardar segredo e de motivar os homens a mais empenho e sacrificios a fim de levar a bem essa obra.

O mestre Vaz assegurou-lhe que faria tudo que fosse possivel e faria mesmo a mesma coisa que fizeram anos a tras, quando as guerras com Castela: o povo do porto, Comeram so tripas para poderem dar a carne aos soldados que combatiam os castelhanos. Por este sacrificio as gentes do Porto eram mesmo conhecidos pela alcunha de "tripeiros".

O Infante D. Henrique ficou tão impressionado e emocionado pelo gesto que honrava este povo, e disse que esse nome de "tripeiros" entraria à historia de Portugal como um sacrificio heroico e invulgar do povo do Porto.

 Dos estaleiros dos " tripeiros" do Porto, sairam 20 naus e 7 galés que participaram a grande frota do Infante D. Henrique , que conquistaram Ceuta.

 

Lendas da nossa terra

23
Mar16

Lenda do penedo dos ovos (pedra amarela)

 

Existe, no meio da serra de Sintra um penedo elevado a prumo, caprichosamente, pela Natureza, ou produzidos pelas convulsões vulcânicas do terreno em tempos ignotos, anda ligada à seguinte lenda:

Dizia-se em tempos que por baixo de tal pedra havia um tesouro escondido (um tesouro encantado) que pertenceria a quem fosse capaz de derrubar o penedo , atirando-lhe com ovos.

Uma velha meteu então na cabeça que esse tesouro havia de lhe pertencer. Para tal, a velha começou a juntar tantos ovos quantos podia. Quando achou que já tinha uma boa provisão, deu início à sua ingénua tarefa. Carregou, pouco a pouco, todos os ovos para as imediações do penedo, e meteu mãos à obra. Um a um, dois a dois, e com quanta força dispunha, ia arremessando os ovos contra o penedo. Quando já não lhe restava nenhum, terrível decepção! O penedo continuava erecto e firme, lavado com ovos!

E foi assim que, em vez de cair por terra, o penedo, pondo a descoberto o maravilhoso tesouro, caíram por terra desfeitos todos os sonhos e todas as esperanças da pobre velha! E ainda hoje, o povo sempre propenso ao maravilhoso, julga ver nos musgos amarelados que cobrem o penedo, as gemas dos ovos que a velha contra ele arremessou.

 

O lobo e o cão

 

Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.

Sinal é que, de orelha arrebitada,

Bem vigilante andava a canzoada.

Encontra o lobo um dogue forte, grosso,

Nutrido, luzidio, uma beleza!

Que distraído abandonara a estrada.

Sorri-lhe a nédia presa.

Saltar-lhe lobo ali, fazê-la em postas

O seu desejo fora. Dura empresa!

A luta era infalível! Voltar costas

Não usam perros quando são valentes,

E, mais, os brutos! ,

Do fero contendor! Diabo! Diabo!

Então aquele, com aqueles dentes!

Humildade o lobo, pois, encolhe a cauda;

Chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;

Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,

Que deixe que ele admire, que ele aplauda

Topá-lo assim… e com tão bom cabelo!...

E rijo! E gordo! Um frade! Uma abadessa!

«Esplêndido senhor – o cão responde –

De vós depende o ter igual gordura.

Fugi dos bosques, onde

Por teima da desgraça,

De fome e frio só achais fartura,

Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.

 

 

 

Dias e dias sem comerem nada!

E lá por festas raras, esquecidas,

Um petisquinho conquistado à espada,

Tragado às escondidas!

Aí é certa a morte!

Segui… segui meus passos;

Tereis outro destino e melhor sorte.

- Mas como? – volve o lobo. -

Fazer então que devo? – Bagatela:

Nem morte de homem, nem de igreja roubo;

Simplesmente estas coisas: não ter trégua

À santa gente rota, mendicante,

Bordão numa das mãos, noutra a tigela,

Que vem inda a distância duma légua

E já tresanda a essência de tratante.

Lamber as mãos ao dono; ser submisso…

Dar coca – é o termo próprio – ao dono e a todo

Quando bicho-careta houver em casa.

Salário apanhareis que vos apraza:

Ossos das aves, rodas de chouriço,

Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!

Até uns tagatés em cima disso!»

Tendo prestado ao cão atento ouvido,

O lobo, coitadinho! ,

Com perspectiva tal enternecido,

Não fugiu nem mugiu, mas fez beicinho!

 

Iam caminho já do provado,

Quando o lobo notou que no pescoço

O cão era pelado!

«Que tens aí? – pergunta em alvoroço.

- Nada, que eu sabia. – Nada?! – Frioleira!

- Mas afinal o que é? – Ora!... a coleira,

Com que à noite me prendem junto à porta…

- Prender-te?! – o lobo exclama. Não saias fora,

Não corres livre pela terra inteira

Quando te dá na gana, e a toda a hora?

- Nem sempre. Isso que importa?

- Tanto importa, que toda a trincadeira

Com que me acenas, um tesouro embora,

Por tal preço não quero!»

O lobo finda,

Põe-se logo na perna, e corre ainda!

Lendas da nossa terra

22
Mar16

O cavaleiro de Tundale e sua visita ao inferno

 O cavaleiro irlandês Tundale aprendeu uma lição de seu soldado, que nunca esqueceu.

 Tundale era um bravo homem e bom soldado, mas não levava uma vida muito boa. Um dia, enquanto estava sentado a uma mesa, caiu inconsciente e ficou naquele estado por três dias.

 Quando recobrou consciência, era um homem mudado. Começou a louvar a Deus e a fazer penitência por todas coisas más que tinha feito.

 Por que mudança tão repentina? Ele contou a seus amigos que, enquanto estava inconsciente, sua alma pareceu deixar o corpo, e ele se achou rodeado de demônios que queriam levá-lo para o inferno.

Os demônios atormentavam-no terrivelmente, até que seu anjo da guarda apareceu e expulsou-os.

 Então o anjo conduziu-o através do inferno e purgatório, mostrando-lhe pessoas que tinha conhecido quando vivas.

Tundale disse a seu anjo o quanto ele tinha padecido nas mãos dos demônios, e o anjo lhe respondeu: “Tenho estado sempre ao seu lado, mas você nunca me pediu ajuda”.

 

 

LENDA DE NOSSA SENHORA DO CAIS - SETÚBAL

 

Narra em velhos documentos que o nobre fidalgo D. Manuel Vaz de Castro tinha como esposa a mais bela mulher de Setúbal. Chamava-se Ester e, como o seu nome indica, era de ascendência judaica. De Ester, vivia enamorado — estranhamente, loucamente enamorado! — um pobre pescador chamado Valentim de Jesus.

Em noites claras de luar, Valentim saía no seu barquinho e vogava diante do palácio, em cuja varanda luzia a formosura de Ester.

Ah! Mas esta paixão podia sair bem cara a Valentim! Por isso mesmo, o Tio Augusto, seu velho pai, de rosto cortado pelos sóis e pelas vagas, mais de uma vez o quis desviar do caminho da tentação. Dizia-lhe, apreensivo:

— Rapaz, ouve o que te digo! Não olhes para tão alto... És capaz de cegar! Tens as raparigas da tua laia que ainda não casaram! Qualquer delas daria a vida por ti.

Valentim baixava a cabeça e respondia com humildade:

— Pai, eu sei que tem razão! Eu próprio muitas vezes me censuro e condeno. Mas de que me serve a razão? Já não posso arrancar dos olhos a imagem dela!

— Pois toma cuidado, meu filho, senão arrancam-te os olhos a ti! D. Manuel é forte e poderoso, como sabes... Basta uma palavra dele...

O rapaz olhava o pai, e não só os seus olhos reflectiam tristeza. As suas palavras eram um verdadeiro rosário de amarguras:

— Pai, perdoe-me! Mas para mim basta-me uma palavra dela!

Assustado, o pai tentava impor a sua autoridade.

— Filho, pensa no que dizes! Essa mulher enlouqueceu-te! Será capaz de te matar!

E Valentim respondia invariavelmente:

— Que importa? Eu serei capaz de morrer por ela!

Os tempos passaram. Cada vez mais forte, a paixão doida foi inundando o coração de Valentim. O amor deu-lhe ousadia. Ester sorria-lhe de longe, e esse sorriso incitava-o. Talvez por isso, numa noite serena, vendo Ester debruçada na sua grande varanda, atreveu-se a subir até ela. A mulher recuou assustada. Mas Valentim depressa a sossegou:

— Senhora, perdoai-me! Mas o fogo que arde em mim não me deixa calar por mais tempo.

Na sua voz doce, ela inquiriu:

— E que ides dizer?

Valentim aproximou-se dela. A brisa que corria leve acariciava-lhe o rosto e as mãos. Ester fez um gesto a detê-lo. Os seus olhos estavam presos aos dele. E como Valentim se preparasse para responder-lhe, ela apressou-se a falar:

— Já sei o que ides dizer! Já sei! Eu vejo-vos todos os dias o mesmo olhar, a mesma esperança… Pobre jovem! Bem cruel é o vosso destino!

— Cruel, porquê, senhora, se vos oiço… se vos vejo… se vos sinto tão perto de mim?...

Ela baixou a voz.

— Precisamente por isso… porque pecais pensando em mim... e porque me obrigais a pecar, pensando em vós. Ide! Fugi enquanto é tempo... Ai, se o meu marido vos descobre!... Sois novo e a vida é tão bela! Procurai outra mulher… Esquecei-me!

Ele sussurrou-lhe:

— Impossível!

— Porquê? Fugi para bem longe!

— É como se me ordenásseis — ficai! — Como poderei fugir e procurar outra, se o meu coração pesa demais para o fazer? Pesa tanto, que tenho a impressão de que não mais sairei daqui!...

O moço Valentim tinha razão nos seus pressentimentos. Ouvindo vozes na varanda, D. Manuel Vaz de Castro apareceu de súbito, gritando:

— Quem és tu, vilão?

Valentim perfilou-se na sua frente.

— Um homem, senhor fidalgo. Sou apenas um homem.

— Pois não o serás mais!

E ajuntando o gesto à palavra, o fidalgo ergueu a espada e embebeu-a no corpo de Valentim, gritando ainda:

— Toma, vilão! É assim que eu falo com os da tua laia!

O corpo de Valentim caiu, banhado em sangue. Ester, com o desespero no coração, gritava alucinada:

— Senhor! Piedade! Piedade!

Mas o fidalgo, voltando-lhe as costas, respondeu-lhe com serenidade aparente:

— Calai-vos! Que eu não vos oiça... para ignorar que estais aqui! Quanto a este vilão, vou atirá-lo ao mar. Que as ondas o levem para bem longe!

Ester levou as mãos ao rosto para não ver o corpo ensanguentado e já sem vida de Valentim. Um choro convulsivo sacudiu-a. E um baque surdo nas águas tranquilas repercutiu-se no seu coração...

 

Sempre caprichosas, as ondas não levaram para longe o corpo de Valentim. Na manhã seguinte, quando o Tio Augusto saiu de casa e desceu à praia, os seus olhos quedaram-se atónitos, fitando aquele corpo inanimado.

Correu para ele. Afagou-lhe os cabelos empastados, chorando e falando ao mesmo tempo.

— Meu filho! Meu Valentim! Não me quiseste ouvir… não quiseste ouvir a razão! Meu pobre filho! Que a maldição caia sobre os que te mataram!

 

Isto é o que conta a História. Porém, a Lenda acrescenta que Ester, transtornada por quanto se passara na sua frente, abandonou a casa do marido e recolheu a um convento, entregando-se a uma vida exemplar de sacrifício e devoção. E o caso foi esmorecendo no rancor do povo. Todavia, um homem continuava a não lhe perdoar: Augusto, o pai de Valentim. Quando vinham contar-lhe algum acto de grande caridade praticado por Ester e louvavam a sua conduta, ele exclamava furioso:

— Não me venham dizer que essa mulher é santa! É a criatura mais falsa que eu conheço!... Foi ela a única culpada da morte do meu Valentim!

Ora, esta opinião do velho Augusto chegou aos ouvidos de Ester. E logo ela enviou alguém a suplicar-lhe que viesse falar com ela ao convento.

 

Assediado, ele acedeu de má vontade. Mal o viu, Ester deixou correr livremente o pranto que a oprimia. Depois falou-lhe, cheia de humildade:

— Sei a razão do vosso ódio. Reconheço que, em parte, fui culpada da morte do vosso filho. Eu nunca deveria ter alimentado a esperança no coração desse belo moço. O meu arrependimento é sincero. Apoquenta-me o remorso. E peço a Deus que me atormente com os castigos que mereço! A morte de Valentim foi o começo do meu calvário!

A voz extinguiu-se-lhe no peito. A comoção sufocava-a. Porém o velho, com a chaga do desespero cada vez mais viva, gritou colérico:

— Impostora! Nem um milagre ouvis bem? — nem um milagre me faria mudar de opinião a vosso respeito! Sois a mais miserável das criaturas!

Ela mordeu os lábios, curvou a cabeça e murmurou apenas:

— Que se cumpra em mim a Soberana Vontade do Senhor!

Em silêncio, o velho retirou-se. E a pobre monja recolheu-se também — mais humilde, mais abatida, mais distante daquela mulher bela e airosa que Valentim descobrira certo dia.

 

Conta ainda a lenda que, não muito tempo depois da conversa do Tio Augusto com a monja do convento, o tal milagre em que ele falara deu-se na verdade!

Ali, no cais de Setúbal, havia uma imagem de Nossa Senhora, adorada pelos pescadores. Certa vez, no turbilhão das lutas, atiraram essa imagem ao mar. Um pescador velho mas corajoso atreveu-se a ir buscá-la debaixo das balas. Era o Tio Augusto. Mas quando chegou a terra e os outros o rodearam, parecia aparvalhado, olhando a imagem de Nossa Senhora. Como lhe perguntassem o que se passava, ele, no auge da excitação gritou-lhes:

— Vejam! Estão a ver? É a Nossa Senhora... mas com a cara da outra… daquela que matou o meu filho! Afinal… deu-se o milagre! Ela deve falar verdade! Deve ser hoje uma pessoa de bem! Bendito seja o nome de Deus!

Em coro os outros responderam:

— Ámen!

Tomado dum repentino ataque de choro, o velho lobo do mar, que afrontara as ondas e afrontara as balas, caiu de joelhos, beijando a imagem da Senhora do Cais!

E desde esse tempo, na tradição lendária, a imagem de Nossa Senhora do Cais que ainda hoje existe em Setúbal — num novo nicho e sempre adorada pelos pescadores — tem o rosto daquela que se pusera ao serviço de Deus para apagar o pecado de ter consentido, sendo esposa dum poderoso fidalgo, no amor dum pobre homem do mar.

 

Lendas da nossa terra

19
Mar16

Carlos Magno e o abade de São Gall

Carlos Magno, numa de suas freqüentes viagens, viu o abade de S. Gall preguiçosamente reclinado sobre almofadas à porta da abadia.

Carlos gostava de homens enérgicos e ativos, e o abade era indolente.

Além disso, o Imperador tinha mais de um motivo de queixa contra ele.— Bom dia, Sr. Abade. Ainda bem que o encontro. Tenho a submeter à sua esclarecida razão três perguntas, às quais terá a bondade de me responder em sessão solene de nosso conselho imperial daqui a três meses, contados dia-a-dia.

Primeiro de tudo, desejo saber o meu valor em dinheiro.

Em segundo lugar, quanto tempo levaria para dar a volta ao mundo.

Em terceiro lugar, que estarei eu pensando no momento em que V. Revma. vier à minha presença, pensamento que deve ser um erro. Trate de arranjar resposta satisfatória a tudo, do contrário deixará de ser abade de S. Gall, e terá de abandonar a abadia, montado num burro com a cara voltada para o rabo, se não o responder.

O abade não sabia a que santo recorrer. Mandou a todas as escolas, mas os doutores mais famosos pela sua ciência não lhe souberam dar resposta. No entanto, os dias iam correndo, e a época fatal aproximava-se.

Já não faltava senão um mês, já não faltava senão uma semana, e afinal só um dia.

O abade, que noutro tempo era gordo, estava magro como um esqueleto. Perdera o sono e o apetite.

Carlos Magno, contos e lendas medievaisAndava errante nos bosques, lamentando a sua desgraça, quando se encontrou com o seu pastor, o jardineiro da abadia.

— Bom dia, Sr. Abade. Parece que está mais magro. Anda doente?

— Ando, meu caro Félix, ando muito doente.

— Oh! meu rico amigo, eu lhe darei alguma erva que o possa curar.

— Infelizmente não são ervas que eu preciso, mas respostas às minhas três perguntas.

— É em latim?

— Não, não é em latim.

— Visto que não é em latim, queira V. Revma. dizer-me o que é. Minha mãe era uma pobre de Cristo, mas tinha resposta para tudo.

Quando o abade lhe formulou as três perguntas, o pastor atirou o barrete ao ar, e disse-lhe:

— Se é apenas isso, eu me encarrego de responder pelo Sr., e V. Revma. pode continuar a engordar. Mas para isso é necessário que eu vista o seu hábito.

 

No dia marcado, o pastor, disfarçado com o hábito do abade, foi introduzido na sala onde o Imperador presidia ao conselho do Império.

— Então, Sr. Abade, parece que está mais magro. Deu-lhe muito que pensar a chave do enigma? Vamos lá ver a primeira pergunta: quanto valho eu em dinheiro?

— Senhor, o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, foi vendido por trinta dinheiros. Sua Majestade vale à justa vinte e nove, só um dinheiro a menos.

Carlos Magno recebe prelados, Contos e lendas medievais— Bravo, Sr. Abade! A resposta é hábil, e na realidade não posso deixar de me mostrar satisfeito. Mas vamos à segunda pergunta. Não há de ser tão fácil encontrar a resposta: Quanto tempo levaria eu a dar a volta ao mundo?

— Senhor, se Vossa Majestade se levantar ao romper do dia e puder seguir constantemente passo-a-passo o sol no seu giro, bastam-lhe vinte e quatro horas.

— Decididamente V. Revma. é um grande finório, e desta vez confesso-me vencido. Mas a terceira não é dessas a que se responde com suposições. Quem lhe há de dizer o que eu estou pensando, e como me há de provar que este pensamento é um erro? Tem a palavra, Sr. Abade.

— Senhor, Vossa Majestade pensa que eu sou o abade de S. Gall. E é um erro, porque sou o seu pastor e jardineiro.

— Mas então tu é que deves ser o abade de S. Gall. E desde já o ficas sendo.

— Não sei latim, mas se Vossa Majestade quer fazer-me um favor, peço-lhe outra coisa.

— Não tem mais que falar.

— Peço a Vossa Majestade que perdoe o meu amigo!

Carlos Magno, o Imperador, não era homem que faltasse à sua palavra.

Album de Sabedoria

18
Mar16

A Aranha

 

Um conto Tibetano fala de um estudante de meditação que, enquanto meditava em seu quarto, pensava ver uma assustadora aranha descendo à sua frente. A cada dia a criatura ameaçadora retornava cada vez maior em tamanho. Tão terrificado estava o estudante que finalmente foi ao seu professor para relatar o seu dilema:

“Não posso continuar meditando com tal ameaça sobre mim,” disse ele tremendo de pavor.” Vou guardar uma faca em meu colo durante a meditação, de forma que quando a aranha aparecer eu possa matá-la!”

O professor advertiu-o contra esta idéia:

“Não faça isso. Faça como eu lhe digo: leve um pedaço de carvão na sua meditação, e quando a aranha aparecer, marque um ‘X’ em sua barriga. Depois disso venha até mim.”

O estudante retornou à sua meditação. Quando a aranha novamente apareceu, ele lutou contra o impulso de atacá-la e em vez disso fez como o mestre sugeriu.

Então correu para a sala dele, gritando:

“Eu a marquei na barriga! Fiz o que me pediu! O que faço agora?”

O professor olhou-o e falou:

“Levante a túnica e olhe para sua própria barriga.”

Ao fazer isso, o estudante viu o “X” que havia feito.

 

A magia da comunicação

“Havia um cego que pedia esmola à entrada do Viaduto do Chá, em São Paulo. Todos os dias passava por ele, de manhã e à noite, um publicitário que deixava sempre alguns centavos no chapéu do pedinte. O cego trazia pendurado no pescoço um cartaz com a frase:

”Cego de nascimento. Uma esmola, por favor”.

Certa manhã, o publicitário teve uma idéia: virou o letreiro do cego ao contrário e escreveu outra frase. À noite, depois de um dia de trabalho, perguntou ao cego como é que tinha sido seu dia. O cego respondeu, muito contente:

– Até parece mentira, mas hoje foi um dia extraordinário! Todos que passavam por mim, deixavam alguma coisa. Afinal, o que é que o senhor escreveu no letreiro?

O publicitário havia escrito uma frase breve, mas com sentido e carga emotiva suficientes para convencer os que passavam a deixarem algo para o cego. A frase era:

“Em breve chegará a primavera e eu não poderei vê-la”.

Na maioria das vezes não importa O QUE você diz, mas COMO você diz.

Album da Sabedoria

15
Mar16

De Passagem

 

Um viajante chegou a uma humilde cabana, onde se dirigiu pedindo água e pousada. Quando chegou, foi recebido por um monge que lhe ofereceu acolhimento. Ao reparar na simplicidade da casa e, sobretudo, na ausência de mobília, curioso indagou:

– Onde estão os teus móveis?

– Onde estão os teus? – devolveu o monge.

– Estou aqui só de passagem – respondeu o andarilho

– Eu também…

 

 

 

Uma lição

 

Um famoso palestrante começou um seminário segurando uma nota de 20 dólares.

Numa sala, com 200 pessoas, ele perguntou:

– Quem quer esta nota de 20 dólares?”

Mãos começaram a se erguer. Ele disse:

– Eu darei esta nota a um de vocês, mas, primeiro, deixem-me fazer isto!

Então ele amassou a nota. E perguntou, outra vez:

– Quem ainda quer esta nota?

As mãos continuaram erguidas.

– Bom – ele disse – e se eu fizer isto?

E ele deixou a nota cair no chão e começou a pisá-la e esfregá-la. Depois pegou a nota, agora imunda e amassada, e perguntou:

– E agora? Quem ainda quer esta nota?

Todas as mãos permaneceram erguidas.

– Meus amigos, vocês todos devem aprender esta lição: Não importa o que eu faça com o dinheiro, vocês ainda irão querer esta cédula, porque ela não perde o valor. Ela ainda valerá 20 dólares.

Essa situação também se dá conosco. Muitas vezes, em nossas vidas, somos amassados, pisoteados e ficamos sujos, por decisões que tomamos e/ou pelas circunstâncias que vêm em nossos caminhos. E assim, ficamos nos sentindo desvalorizados, sem importância. Porém, creiam, não importa o que aconteceu ou o que acontecerá, jamais perderemos o nosso valor ante o Universo. Quer estejamos sujos, quer estejamos limpos, quer amassados ou inteiros, nada disso altera a importância que temos. A nossa valia. O preço de nossas vidas não é pelo que fazemos ou sabemos, mas pelo que SOMOS! Somos especiais….

VOCÊ é especial. Muito especial…. Jamais se esqueça disso!

Lendas da nossa terra

15
Mar16

MACACOS

Era uma vez um rei que tinha três filhos e cada um deles se achava com mais direitos ao trono do pai do que qualquer dos irmãos. Então o rei mandou que fossem correr o mundo e depois daria o trono ao filho que lhe trouxesse a melhor prenda.

Os rapazes lá partiram por diferentes caminhos, mas todos em busca de prendas valiosas que lhes garantissem a posse do reino.

O mais velho encontrou uma espada de outro e logo regressou a casa, conforme combinara com os irmãos.

O segundo encontrou um ramo de ouro com uma coroa, também de ouro, tudo do ramo de uma mesma árvore. Tal como o irmão, regressou a casa convencido de que o reino seria seu.

O mais novo caminhou, caminhou muito, mas não conseguiu encontrar nada para oferecer ao pai.

Um dia chegou a uma cidade onde só haviam macacos e muitos estavam sentados à mesa diante das melhores iguarias. Vieram ter com o príncipe duas macacas., uma velha e outra jovem, que o fizeram sentar e comer com os macacos. Quando o jovem príncipe acabam de comer, a macaca velha ofereceu-lhe uma avelã.

Logo depois apareceu uma bela carruagem para onde subiram o príncipe e as duas macacas, acompanhados por uma comitiva de macacos armados. Assim regressaram ao palácio do rei onde já se encontravam os outros irmãos.

Todos estranharam a presença dos macacos, mas deixaram que entrassem no palácio.

Quando chegou a altura de entregar as prendas, o príncipe mais novo estava muito envergonhado devido à insignificância da sua oferenda e à companhia dos macacos, tanto mais que a macaca jovem não saia de junto dele.

O rei elogiou as prendas dos filhos mais velhos, mas, quando pegou na avelã, a macaca mais velha disse que o rei a deveria abrir por suas próprias mãos.

Admirado com o pedido, o rei assim fez e no momento em que abriu a avelã, a macaca mais nova transformou-se numa linda princesa e da avelã saíram sete magnificas coroas de ouro.

No mesmo instante, a comitiva de macacos tornou-se num exército de garbosos soldados.

Avaliando as várias prendas, orei ia tomar a sua decisão.

Reconhecida que a melhor prenda era aquela que lhe trouxera o filho mais novo, mas não seria ele a herdar o trono porque já tinha os sete reinos da princesa macaca a quem quebrara o encanto por ter chegado com ela até junto do seu pai. Também não seria o trono para o filho do meio porque este já tinha a sua coroa de ouro. O herdeiro seria pois o filho mais velho que lhe tinha trazido a espada de ouro.

 

Todos ficaram contentes e o príncipe mais novo casou com a princesa que tinha sido macaca e agora era uma linda jovem apaixonada por aquele que lhe quebrara o encanto.

 

Foram felizes para sempre.

Lendas da nossa terra

09
Mar16

 

A Lenda Dos Três Rios

 

Diz a lenda que três ribeirinhos alegres e saltitantes queriam ver o mar e um dia resolveram meter-se a caminho.

-Partimos logo de manhã muito cedo - disse um deles.

   -Partimos antes do nascer do Sol - disse o outro.

   -E vamos ver qual de nós chega primeiro ao mar - disse o último.

   O luar brilhava nas águas adormecidas dos três ribeirinhos.

No outro dia, o primeiro a acordar bocejou, agitou as águas e pensou:

   -Partirei já e assim serem o primeiro a chegar! O ribeirinho que sempre ouvira chamarem-lhe Tajo deixou-se escorregar pela montanha. Como era um ribeirinho muito alegre saudava os povoados e as gentes; a todos dizia adeus e informava:

   -Vou a caminho do mar; tudo é muito lindo, mas eu quero ver o mar. Adeus, adeus.

   Brincava com as raparigas que lavavam a roupa nas suas águas claras, escolhia os caminhos mais belos entre pinheiros, oliveiras e pomares. Aos ribeirinhos que encontrava dizia sempre:

-Vou para o mar! Venham comigo! Vamos para o mar!

E muitos abraçavam aquele ribeirinho aventureiro . Cada vez mais forte, o Tajo seguia feliz e encantado com as terras que banhava.

   Um dia, uma menina que brincava com as ondas pequeninas chamou-lhe Tejo e ele gostou do novo nome.

-Tejo serei para quem me veja.

E para os pescadores, ele ficou a ser o Tejo que lhes dava o sustento de cada dia. Para os lavradores, ele é o Tejo que lhes rega as terras.

   Calmo e divertido, o Tejo chegou ao mar entrou nele de braços abertos. Ali estava, azul e refrescante, o mar que procura por tão longo caminho.

Entretanto, tinha acordado outro ribeirinho, aquele que se habituara a que lhe chamassem Ana e sabia que outros que davam o nome de Uadi-Ana, ou seja, Rio Ana.

Ainda ensonado, não sabia bem qual o melhor caminho para chegar ao mar. Ora corria para um lado, ora mudava para outro. mas sabia que o desejo mar se encontrava para sul.

E lá seguia, entre terras baixas e secas; mais tarde entre rochedos queimados pelo sol.

Apercebeu-se então de que o povo o chamava por um novo nome. Agora, para todos, ele era o Guadiana.

 

   Fez amizade com o Caia e Degebe, uns ribeirinhos tímidos que também queriam ver o mar e se juntaram a este novo amigo.

Um dia, assim em boa união, encontraram o mar, um mar bem azul e águas tépidas e límpidas. O bom do rio Guadiana mergulhou no Oceano Atlântico feliz como uma criança que brinca na areia.

   Mas não era ele o primeiro a encontrar o Oceano pois o Tejo, que saíra mais cedo, mais cedo encontrara o mar.

Enfriorado e dorminhoco, o terceiro ribeirinho só acordou quando o sol já tinha acordado há muito tempo.

-Estou atrasado! Já é muito tarde! - pensava o ribeirinho ensonado.

Lembra-se de que lhe tinham chamado Durius, mas agora as gentes que o olhavam e lhe chamavam Duero. Corria por terras baixas e secas onde se demorava a observar os campos cultivados.

   Mas não deixa de pensar

-Vou ser o último! É preciso correr!

   E partiu de abalada esgueirando-se por corredores pedregosos saltando rochedos, correndo apressado, cada vez mais apressado.

Nas suas margens subiam encostas cobertas de vinhedos com folhas verdes na Primavera e folhas douradas no Outono, escondendo pesados cachos de uvas maduras.

   -Quero chegar ao mar, mas vou ser o último, já sei, vou ser o último! -

Por isso, o Douro que também é Duero e já foi Durius, acabou por seguir o caminho mais agitado.

 

 

O senhor feudal criminoso, o ermitão piedoso e o misterioso barrilzinho

 

Habitava nos confins da Normandia um destemido cavaleiro, cujo nome causava terror na região. De seu castelo fortificado junto ao mar, não receava nem mesmo o rei.

De grande estatura e belo porte, era no entanto vaidoso, desleal e cruel, não temendo a Deus nem aos homens.

Não fazia jejum nem abstinência, não assistia à Missa nem ouvia sermões. Não se conhecia homem tão mau.

Numa Sexta-feira Santa, bradou ele aos cozinheiros:

— Aprontai-me para o almoço a peça que cacei ontem.

Ouvindo isto, seus vassalos exclamaram:

— Senhor, hoje é Sexta-feira Santa. Todos jejuam, e vós quereis comer carne? Crede-nos: Deus acabará por vos punir.

— Até que tal aconteça, terei enforcado e roubado muita gente.

— Estais seguro de que Deus tolerará mais isso? Vós devíeis arrepender-vos sem demora. Em um bosque vizinho há um padre eremita, varão de grande santidade. Vamos até lá e confessemo-nos — insistiram os vassalos.

— Confessar-me? Aos diabos! — respondeu com desprezo o senhor.

— Vinde ao menos fazer-nos companhia.

— Para me divertir, concedo. Por Deus, nada farei.

 

E puseram-se a caminho. Na floresta solitária e quieta encontraram o santo varão na ermida.

Advertido pelos vassalos, que se confessaram, saiu o eremita ao encontro do orgulhoso senhor, que ficara montado. E disse-lhe:

— Sede bem-vindo, senhor. Visto que sois cavaleiro, deveis ser cortês. Desmontai e vinde falar comigo.

— Falar convosco? Por que diabos? Estou com pressa.

— Entrai e conhecei minha capela e minha morada.

Muito a contragosto e resmungando, o cavaleiro apeou. O eremita tomou-o pelo braço, conduziu-o diante do altar e disse-lhe:

— Senhor, matai-me, se quiserdes, mas daqui não saireis sem antes confessar-vos.

— Não contarei nada! E não sei o que me impede de matar-vos.

— Irmão, dizei-me um só pecado. Deus vos ajudará a confessar os demais.

— Diabos! Não me dareis sossego? Eu o farei, mas de nada me arrependerei.

E com grande arrogância contou de um só lance todos os pecados.

Depois de ouvi-lo, o eremita propôs:

— Senhor, pelo menos sujeitai-vos a uma penitência.

— O quê!? Penitência!? Caçoais de mim! — vociferou furioso o cavaleiro.

— Jejuareis todas as Sextas-feiras durante três anos.

— Três anos! Estais louco! Jamais!

— Então, um mês.

— Também não.

— Ireis a uma igreja e direis aí um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.

— Para mim seria enfadonho, e ademais, tempo perdido.

— Pelo amor de Deus todo poderoso, pegai pelo menos este barrilzinho, enchei-o no regato próximo e trazei-o de volta para mim.

— Bem, isto não me custa tanto. E sobretudo para ficar livre de vós, concedo.

Saiu o cavaleiro em direção à fonte, e de um só golpe afundou na água o barrilzinho. Neste não entrou uma gota sequer. Tentou novamente de um jeito, de outro... Nada!

Intrigado e rangendo os dentes de raiva, voltou à ermida e esbravejou:

— Barril enfeitiçado! Não consigo meter-lhe uma só gota de água!

— Senhor, que triste estado é o vosso! Uma criança o teria trazido transbordando. Isto é um sinal de Deus, por causa de vossos pecados.

— Pois eu vos juro que não lavarei minha cabeça, não farei a barba nem cortarei as unhas enquanto não encher este barril, ainda que tenha de dar a volta ao mundo. E nisto empenho minha palavra!

E assim partiu o cavaleiro com o barrilzinho, levando só a roupa do corpo. Em todos os poços e regatos, cascatas e rios, lagos e mares, experimentava encher o pequeno tonel, mas sempre em vão. Caminhando sem cessar, passando frio e calor, por planícies e montanhas, percorreu ele muitos países.

Maltrapilho e sujo, curtido pelo sol, obrigado a mendigar, sofreu fome, insultos e chacotas, pois muitos desconfiavam dele. Seu corpo ia definhando, e o barrilzinho pesava-lhe enormemente, amarrado ao pescoço.

Ao cabo de um ano de fracassos, decidiu voltar à ermida, onde por fim chegou, exatamente na Sexta-feira Santa. O eremita, não o reconhecendo, perguntou:

— Caro irmão, quem vos deu esse barrilzinho? Há um ano entreguei-o a um belo cavaleiro, que não voltou mais aqui. Nem sei se ainda vive.

— Esse cavaleiro sou eu, e este é o estado em que me colocaste! — respondeu cheio de cólera o desgrenhado peregrino, contando a seguir suas desventuras.

 

O santo homem indignou-se ante tanta dureza de alma, bradando:

— Vós sois o pior dos homens! Um cão, um animal qualquer teria enchido o barril. Ah! bem vejo que Deus não aceitou vossa penitência, porque não vos arrependestes!

E pondo-se a chorar, rogou à Santíssima Virgem que intercedesse por aquele pecador empedernido.

Enquanto o eremita soluçava em sua longa oração, o cavaleiro, quieto, foi tocado pela graça. Seu coração tão duro comoveu-se. Os olhos se lhe turvaram. Uma grossa lágrima rolou-lhe pela face ressequida, caindo diretamente dentro do barrilzinho, que trazia amarrado ao pescoço. E esta única lágrima encheu-o até os bordos.

Sinceramente arrependido, o cavaleiro pediu para confessar-se. O eremita, maravilhado, abraçou-o em prantos de alegria. Após ministrar a absolvição sacramental ao penitente, o eremita perguntou-lhe se queria receber a comunhão.

— Sim, meu pai. Mas apressai-vos, porque sinto que vou morrer.

Tendo recebido o Santíssimo Sacramento, com a alma purificada, o cavaleiro agradeceu comovido ao eremita, e colocou-se em suas mãos. Pouco depois exalava o último suspiro.

A capela iluminou-se, e os anjos levaram sua alma ao Paraíso. Diante do altar, o eremita velou longamente aquele corpo coberto de andrajos, tendo junto de si o prodigioso barrilzinho.

 

Lendas da nossa terra

08
Mar16

O ferreiro, Jesus Cristo e o demônio

 

Um ferreiro fez um trato com o demônio, adquirindo este o direito de levar-lhe a alma para o inferno sete anos depois.

Durante os sete anos, entretanto, o diabo faria com que o ferreiro se tornasse o melhor artista do ramo no mundo inteiro.

Nosso Senhor Jesus Cristo, entrando com São Pedro na oficina do ferreiro, pôs-se a conversar com ele.

De repente entrou um freguês que desejava mandar ferrar o cavalo.

— Permites-me que eu me desempenhe dessa tarefa? — perguntou Jesus.

— Faze como quiseres — respondeu com superioridade o ferreiro. — Se trabalhares mal, sempre hei de poder reparar o erro, visto que sou o melhor ferreiro do mundo.

Sorriu Jesus, e pegando uma das patas do animal, cortou-a. Em seguida, colocando-a na bigorna, ferrou-a com toda a perfeição. Terminado o trabalho, reuniu a pata à perna do cavalo. Cortou a segunda pata e repetiu a operação. Fez a mesma coisa com as outras duas, e recolocou tudo no devido lugar.

O ferreiro, assombrado, fitava-o com os olhos esbugalhados. Nunca vira método mais rápido e original.

Passado algum tempo, entrou na oficina a mãe do ferreiro, uma velhinha corcunda, retorcida, cheia de rugas.

— Queres ver o que sou capaz de fazer? — perguntou Nosso Senhor Jesus Cristo ao ferreiro.

E pegando a mulher, colocou-a sobre a bigorna. Depois, valendo-se de pregos, de martelo e de ferro em brasa, transformou-a em belíssima jovem. Findo o trabalho, despediu-se do ferreiro, que ficara o tempo todo boquiaberto.

No dia seguinte um freguês pediu ao ferreiro que lhe ferrasse o cavalo.

— Como não?! — retrucou o homem. — Vai ser já. Aprendi ontem um novo método, que me foi ensinado por um artista estrangeiro.

Cortou as quatro patas do cavalo, como vira Nosso Senhor Jesus Cristo fazer, colocou-as sobre a bigorna e ferrou-as com a devida precisão. Mas quando se tratou de reuni-las às pernas do pobre animal, começaram as decepções. Nada conseguiu, por mais que lidasse.

O dono do cavalo começou a bradar como possesso, e ameaçou o infeliz ferreiro de levá-lo à polícia. O ferreiro, para se ver livre da embrulhada, viu-se obrigado a desembolsar grande quantidade de dinheiro.

Passou-se aquele dia. No outro, estava o ferreiro na porta da oficina, pensando na desgraça da véspera, quando viu uma velhinha bem corcunda e muito feia. Nasceu-lhe no espírito uma ideia luminosa.

 

Agarrou-a, colocou-a sobre a bigorna, e apesar dos gritos da infeliz, começou a batê-la sem pena. Se o forasteiro fizera a mesma coisa com sua mãe, e a mudara em criatura mais do que formosa... Bate que bate, acabou por matar a velhinha, reduzindo-a a um monte informe de carne e ossos.

Alguns dias depois, voltou Nosso Senhor Jesus Cristo a aparecer na oficina do ferreiro. Imediatamente este lhe contou o que sucedera.

Queixou-se também do diabo, que não manteve a palavra empenhada, pois estava visto que ele não era o melhor ferreiro do mundo, como supusera até então.

Tratou Jesus de consolá-lo. Depois disse-lhe:

— Manifeste três desejos, e Eu os realizarei.

— Quero que a pessoa que subir à extremidade daquela árvore lá fique enquanto me agrade. Quero também que aquele a quem eu ordene sentar-se naquela poltrona fique lá guardado até que me dê na veneta soltá-lo. O meu terceiro desejo é que aquele a quem eu ordene entrar neste saco se veja obrigado a nele ficar até que eu resolva permitir-lhe sair.

— Serão concedidos — respondeu Nosso Senhor Jesus Cristo, desaparecendo.

Foram-se os sete anos do trato feito com o demônio. E este foi procurar imediatamente o ferreiro.

— Estás pronto? — perguntou-lhe.

— Sim, estou. Mas antes desejaria terminar este trabalho. Olha, enquanto esperas, sobe naquele árvore de peras e tira as que mais te agradarem. Deves estar com fome, evidentemente!

O demônio obedeceu e subiu.

— Agora que aí estás — disse-lhe o ferreiro, desatando a rir — aí ficarás até que eu resolva te fazer descer.

Tentou o demônio descer por si, mas nada conseguiu. Uma força misteriosa o retinha na árvore. Começou então a chorar:

— Se me fizeres descer, dar-te-ei outros quatro anos de vida.

— Desce! — ordenou o ferreiro.

Transcorridos quatro anos do novo prazo, o demônio voltou e perguntou ao ferreiro:

— Estás pronto?

— Quase. Antes quero apenas que me deixes terminar este trabalho. Enquanto esperas, bem podes descansar nesta poltrona.

O demônio, cansadíssimo, mergulhou na poltrona.

— Ah! Ah! Agora que aí te encontras — riu-se o ferreiro — ficarás até que eu decida o contrário.

O demônio fez mil e um esforços para levantar-se, mas foi obrigado a reconhecer-se vencido.

— Deixa-me ir — pediu ao ferreiro, em tom de súplica — e eu te concederei outros quatro anos de vida.

— Levanta-te! — limitou-se a dizer nosso amigo.

Passaram mais aqueles quatro anos. Pela terceira vez surgiu o demônio, convidando o ferreiro a segui-lo.

— Pois não — concordou o ferreiro. — Podemos até partir já, se quiseres. Olha, preparei-te uma linda surpresa, neste saco.

O diabo, curioso como ele só, entrou no saco para ver mais de perto a surpresa que lhe havia sido reservada. Imediatamente o ferreiro amarrou a boca do saco, e colocando-o na bigorna, pegou o martelo e começou a bater sem dó.

— Ai! ai! ai! — gemia o demônio. — Deixa-me ir, que nunca mais virei aqui!

O ferreiro, depois de muita insistência do demônio, abriu o saco. E o maligno, mais que depressa, desapareceu, não sendo mais visto nas redondezas.